flautista disfarçado

O Senhor do Tempo

William Schul

--

Capítulo I — Um novo começo.

Abri os olhos, era uma manhã de domingo como todas as outras, nada fora do ordinário acontecia por aqui. Levantei com um bocejo longo e andei preguiçosamente até o banheiro para lavar o rosto.
-O café da manhã está pronto! — ouvi minha mãe chamar.

Terminei e fui andando para a cozinha, a mesa estava posta, pra mim um verdadeiro banquete! Suco, pães e bolo. Não somos uma família de muitas posses, porém sei que minha mãe se esforça para nos deixar felizes com a primeira refeição do dia.

Meu pai já estava sentado no lugar de sempre e me recepcionou com um sorriso largo no rosto, indicando um lugar à mesa para eu sentar. Até que ouvimos uma batida na porta.

Nos entreolhamos com surpresa estampada em nossos rostos, isso não era comum, não recebíamos visitas. Nossa casa era afastada da vila e rodeada por uma floresta que se estendia até onde meus pequenos olhos conseguiam enxergar.
Meu pai com o mesmo sorriso se levantou e caminhou para porta. Eu levantei e fiquei espiando da cozinha, me escondendo atrás da parede.

-Quem está aí?- disse meu pai com uma voz confiante.
-Eu sou uma viajante, passei algum tempo perdido na floresta e gostaria de comer alguma coisa.

Na época eu não sabia, porém o dono daquela voz mudaria minha vida para sempre.
Meu pai sempre foi um homem bondoso, talvez bondoso até demais. Ele era alto, seus cabelos cinza e seus olhos eram vermelhos. Herança de uma raça praticamente extinta. O vilarejo onde meus avós nasceram tinha sido completamente destruído durante a guerra dos mundos, meu avô lutou e morreu bravamente tentando defender sua família e seu vilarejo, e ela grávida de meu pai tinha sido a única sobrevivente. Confiante em sua habilidade para nos defender e reconhecer o perigo, ele abriu a porta e encarou aquele viajante.

-Muito obrigado meu senhor, faz alguns dias que estou vagando e finalmente encontrei alguém. Desculpe minha intromissão a essa hora do dia, mas infelizmente eu não tinha mais o que fazer. Meu nome é Trev, disse ele retirando seu chapéu estranho da cabeça.
Eu o achei estranhamente engraçado. Ele era velho e usava um manto roxo, que estava sujo de lama e com galhos e folhas espetados em toda sua extensão, seu rosto era arredondado e gentil. Na sua mão ele usava algo como uma grande bengala de madeira para se apoiar, com uma bola cor de nuvem no topo. Seu chapéu era da mesma cor de seu manto e estranhamente estava intacto e limpo.
Meu pai fez uma cara esquisita mas mesmo assim abriu a porta e o convidou a entrar.
-Não temos muito, mas por favor entre e nos faça companhia. Me chamo Krili.
Corri de volta para minha cadeira e sentei com olhos curiosos para aquele estranho.

Ao nos avistar ele repetiu a mesma cena quando se apresentou ao meu pai, retirando o chapéu e o levando ao seu peito, abaixou levemente a cabeça e disse:
-Me chamo Trev, obrigado pela hospitalidade.
Minha mãe já sentada o cumprimentou abaixando sua própria cabeça em sinal de respeito.
-Seja bem vindo, me chamo Trish. Não preparei nada em especial, só temos um pouco mas fico feliz em poder dividir com o senhor, disse ela apontando um lugar à mesa.

-O senhor é um mago? — disse eu não conseguindo esconder minha excitação.

Magos são uma figura rara e muito respeitados em qualquer lugar. Suas visitas eram uma honra e eu nunca tinha visto ou ouvido de uma visita de um em toda minha vida, não que eu conheça algum lugar além da vila que íamos às vezes para vender as frutas que meu pai colhe em seu jardim.
-Joshua! Isso não são modos para receber um convidado! — disse a minha mãe olhando para mim enquanto falava.
-Hahaha, tudo bem, tudo bem. Sim meu jovem, apesar de não saber achar o caminho certo por vezes posso dizer que você está correto. — disse ele entre risos, achando graça do que eu tinha dito.

- O que você pode fazer? -perguntei animado.

-Posso fazer muitas coisas, mas não tudo que gostaria.- disse ele se sentando.
E assim começamos a comer, meu pai se serviu de pão e passou a bandeja adiante. Eu peguei o suco e fiz o mesmo. Minha mãe começou a partir o bolo e foi passando adiante para nós. Entre goles de suco e mordidas no pão, meu pai e Trev começaram a conversar amenidades. De onde ele tinha vindo, como ele havia chegado ali, o que estava acontecendo ao redor do mundo. Eu observava aquilo tudo com grande curiosidade.
Quando terminamos de comer eu levantei para recolher os pratos e os lavar quando Trev disse:
-Espere meu jovem. E com um aceno de mão todos os pratos começaram a flutuar em direção a pia e água começou a escorrer do ar, a esponja como que com vida própria ficou em pé e pulou para cima dos pratos começando a lavar tudo.
Minha cara certamente foi de puro espanto, até meus pais arregalaram seus olhos maravilhados com o que ele estava a fazer.

-Uaaaaau! — eu disse, não acreditando no que meus olhos viam, aquele tipo de coisa era completamente nova pra mim, eu nunca pensei que algum dia iria ver isso.
-Bem, essa é uma das coisas que eu posso fazer, está satisfeito?

-Me ensina! Por favor, eu quero aprender a fazer isso!- disse eu me levantando e correndo em direção a ele e me curvando diante dele, quase implorando com tanta excitação. Não sei como meus pais reagiram a isso, porque eu só tinha olhos para aquele homem excêntrico.

-Bem, bem. Não é uma coisa simples, são anos e anos de prática para se conseguir aprender até as coisas mais simples, além do mais você é apenas uma criança.- disse ele com as mão em torno do queixo como que pensando no que eu estava pedindo.
-Joshua! Já pro seu quarto! — disse a minha mãe com olhos perfurantes em minha direção.
Olhei para o meu pai, procurando algum tipo de apoio, mas tudo que ele fez foi balançar a cabeça de um lado pro outro em sinal de não. Resignado fui andando em direção ao meu quarto de cabeça baixa. Assim que entrei fui com raiva em direção à mesa e abri uma gaveta. Nela se encontrava a coisa mais preciosa, a única que eu tinha. Uma pequena flauta de madeira, simples e sem nada que a fizesse ser especial. Ainda com aquele sentimento de impotência e tristeza, a levei imediatamente à boca, tentando expressar na música tudo que eu estava sentindo. Assim eu a peguei, levei a boca e me pus a tocar toda aquela frustração, angústia e ansiedade sendo declamadas em notas musicais, movimentando meus dedos de forma rápida e ajustando minha respiração. O som que saiu foi uma música triste e melancólica, não que não fosse bonita, era uma melodia maravilhosa digna de ser ouvida por um palácio real. E assim a música chegou ao ouvido dos presentes na cozinha. Toquei por um longo tempo, pelo menos foi o que pareceu para mim, lágrimas caiam enquanto eu fazia o som sair da flauta. Quando terminei meus olhos já não tinham mais lágrimas, enxuguei meu rosto e coloquei a flauta de volta na sua gaveta. Olhei para fora através da janela e fazia um lindo dia, o sol já estava chegando em seu ponto máximo e os pássaros começavam a buscar refúgio embaixo da sombra das árvores do pomar.
Cansado, me debrucei na janela a admirar aquela paisagem.
Ouvi uma batida em minha porta, era meu pai chamando. -Joshua venha cá.

Ao abrir a porta os olhos de meu pai estavam marejados. Ele se pôs a caminhar em direção a sala, onde o mago e minha mãe já estavam sentados.
-Meu jovem que bela melodia, não posso negar que você tocou meu coração com sua música! Já ouvi muitas melodias pelo mundo mas o que você tocou é realmente especial! — disse Trev com olhos espantados e ao mesmo tempo gentis em direção à mim.

Depois, olhando para meus pais ele continuou: -Decidi ficar na vila de que você falou por alguns dias, se vocês não se importarem eu gostaria de poder visitá-los enquanto fico pela região.
Meus pais se olharam, abriram um largo sorriso de felicidade e orgulho com tais palavras, então disseram em uníssono: Por favor senhor, seria uma honra para nós.
E assim parece que meus dias comuns chegariam ao fim com as visitas de Trev.

--

--

William Schul

escrevendo o livro “O senhor do Tempo”. Dá uma olhada no meu twitter e no meu site https://osenhordotempo.wixsite.com/livro para atualizações.